NÃO EXISTEM TABUS, NÃO EXISTEM REGRAS PARA O LUTO DE UMA MÃE
Talvez seja
um convite do tipo: - Vamos falar da morte?
Esta que é
tabu maior que o sexo; maior ainda quando se trata da morte de um filho, dor que se recobre em silêncio, por se tratar
de uma dor inominável.
Como operar
a partir do não sentido do real que a morte evoca e consequente falta de
repostas que advém em momentos como este?
O luto é um
longo caminho, que começa com a dor viva da perda de um ser querido e que
segundo alguns, pode ser visto como um lento e penoso processo de desamor em relação a quem se foi,
ou seja, a pessoa enlutada não esquece nem deixa de amar o morto, mas passa a
amá-lo de outra forma; amor esse, permeado por uma saudade enorme e envolta por
uma dor indizível devido à perda abrupta e inesperada.
É quando
duas situações se encontram absolutamente inseparáveis: o amor e a dor.
Amor pelo
excesso de investimento colocado na pessoa que se foi, e dor porque esse
suporte real nos deixou. O sentimento de abandono e o caráter definitivo de sua
ausência são o que posso chamar de mais devastadores que se tem ao se deparar
com a realidade da mais pura falta, do mais enorme vazio.
Assim
escreve Nasio: - As manifestações da dor – “abatimento, grito e lágrimas a
mantêm como se a pessoa que sofre estivesse arrastada pelo desejo inconsciente”
- um desejo que nada tem a ver com masoquismo de viver a prova dolorosa. Querem
sofrer porque a sua dor é uma homenagem ao morto, uma prova de amor. (O livro
da dor e do amor; pág. 65). As perdas costumam ser nomeadas para que possam ser
minimamente suportáveis.
Ao perder
uma mulher, alguém passa a ser viúvo; aquele que perde os pais, órfãos; os que
chegam a se separar, divorciados; mas as mães que perdem seus filhos não
encontram sequer algo para nomeá-las. Lembro-me de uma amiga, psicanalista a
quem sou muito grata por todo apoio recebido nesse período de luto, que me
contava sobre os pacientes que sofriam da dor fantasma, que se trata de uma dor
que acomete os pacientes que perderam um membro: tal dor é um dos maiores
desafios para os médicos, estes não encontram um anestésico capaz de aliviar o sofrimento
dos pacientes. O membro perdido, seja uma perna, um braço, enfim, não está mais
no corpo, porém, o membro fantasma lateja, coça, aquece, esfria, dói. A dor é
viva, é presente embora o membro esteja ausente, morto...
Com o tempo
os pacientes podem aprender a conviver com a ausência que lateja.
Penso que a
dor da perda de um filho é próxima dessa, vivido por esses pacientes sofridos.
Dizia-me essa
minha amiga: - Ora, estamos falando de um membro do corpo, que dirá de um filho
saído de nossas entranhas que como diz o poeta Chico Buarque: “Oh,pedaço de
mim, oh ,pedaço amputado de mim”. É uma mutilação. A perda de um filho no desabrochar da
juventude de forma trágica e inesperada coloca qualquer sujeito diante de uma
dor inominável e indizível.
O estranhamento
e distanciamento do mundo sob a forma de uma dor alucinante derivado do próprio
trabalho de luto não parecem combinar com a posição que o analista deve em
circunstâncias normais, fora do circuito traumático.
Não raro
algumas pessoas deixam de lado a sua dor jogando-se no trabalho de forma
obsessiva quando este trabalho ritualista opera ações repetitivas e
mecanizadas. Outras buscam na religião, um consolo possível.
O que dizer
do ofício de analista que não é uma profissão como outra qualquer e que exige
que ali o sujeito dê provas de sua análise? No período mais nebuloso da dor do
luto que possibilidade há, se há alguma, de ouvir um outro, de se
disponibilizar a escutar queixas comezinhas como, por exemplo, “ medo de se
afogar no chuveiro” enquanto o analista atravessa uma dor imensurável.
No filme: -
"O quarto do filho" que relata a experiência da morte de um filho de
um psicanalista, este se vê na condição de se afastar da clínica por tempo
indeterminado. A reação dos pacientes neste filme italiano, muito bem dirigido,
nada piegas e verdadeiro, é a mais diferente possível a partir do percurso de
análise de cada um e da transferência estabelecida com esse analista em
particular. O osso mais duro de roer por certo.
Quando perdi
meu filho a sensação era de que o mundo havia caído sobre a minha cabeça e que
eu não conseguiria suportar. A vida se torna realmente impossível diante deste
sofrimento. Sentia-me no dever de aparentar "força" quando não a
tinha, pois estava dilacerada e devastada pela dor. Como poderia mostrar
fragilidade, chorar em público, no meio da rua, pudesse eu superar com
dignidade a dor de existir. Como esconder a indiferença ao mundo, o afastamento,
a falta de interesse pelo mundo e a própria falta de lugar de uma mãe diante de
tal acontecimento?
O luto não é
terapeutizável, não há remédio para essa dor. Lembro-me de uma revista que li,
cujo título da reportagem era: -“A dor que não termina”. São relatos de pais
que perderam seus filhos de maneira trágica e os relatos da reação particular
que cada um teve.
Desde aquele
que ao ver seu filho morto por atropelamento e que o carrega nos braços para
ser morto também pelos carros que passavam, como aquela mãe que se recusou a
comer desde a perda de sua criança vindo a falecer 04 meses depois de inanição.
A reportagem
começa justamente falando que o luto de quem perde filho é diferente de
qualquer outro... E pode tornar-se insuportável o peso de tocar a vida adiante.
A morte é sempre motivo de angústia e tristeza, mas a morte de um filho é uma
tragédia contra a natureza, um desastre além da razão. Vivemos em um período
desbussolado onde não se pode mais, como antigamente, encarar a tragédia como
vontade de Deus.
Diante de
uma determinação superior, restava apenas se conformar. As mães, no passado
eram poupadas de qualquer tarefa por um período de no mínimo um ano para se
recolherem. Não há mais tempo para resguardo, nem para recolhimento. A licença
de uma semana (até o sétimo dia) é o que é amparado por lei. Os tempos
modernos, onde impera a ditadura da alegria não oferece espaço nem lugar para a
dor, especialmente uma dor como essa.
Reaja! Seja
forte! Não fale mais no assunto! Aprenda uma lição com sua dor! Não fique
paralisado pela dor! Enfrente! São imperativos ouvidos a toda hora e só posso
aqui dar meu testemunho de como essas frases me incomodavam.
Portanto,
nada de fórmulas, ou de dizer como alguém deve reagir... Ou fazer... Ou
dizer... Aliás, não há muito que dizer. Aliás, não há nada o que dizer. A morte
é tabu, e ninguém quer falar dela. A morte ninguém sabe o que ela é. A morte
assusta e horroriza. A morte de um filho é algo de difícil materialização. O
seu desaparecimento súbito provocou em mim uma série de questionamentos acerca
de tudo à minha volta. Com a morte de
seu filho, é imperativo voltar a viver!
Essa dor da perda de um filho não é uma dor qualquer. Implica numa longa
travessia de luto, reinventar a vida a cada dia e conviver diariamente com a
ausência de respostas, e sair em busca de algumas outras que estejam ao alcance
de quem passa por isso. Tudo se tornava de um dia para o outro insuportável e
qualquer mínimo detalhe me fazia lembrar do meu filho. Não conseguia me
envolver com nenhuma atividade que realizava e tampouco poderia volver atrás,
trazendo meu filho de volta.
Essa certeza
implacável tornou-se um tormento a ponto de meus familiares se incomodarem com
meu recolhimento e isolamento, posições essas que me eram possíveis naqueles
tempos tão doloridos e sem palavras. Outro ponto que quero marcar é sobre a
seguinte questão: que tempo para o luto? É sabido que o luto é muito parecido
com a depressão afetivamente falando, mas esta é sem a perda real do objeto. Há
uma cobrança diante do luto estrondosa no que diz respeito ao tempo.
Você ainda está chorando deste jeito? Ou: não chore, pois
seu filho vai sofrer ainda mais... Parece que só nessas horas aprendemos o que
não dizer a alguém que perde um filho. Há um jogo social no sentido de quererem
lhe empurrar goela abaixo uma fórmula, que não há; há de ser reinventada caso a
caso. Que lugar para uma mãe sem o seu rebento. “Não reintegrarás o seu produto”
está no texto bíblico, mas como se desfazer de tantos sonhos ao mesmo tempo, de
tantos projetos, de tantos investimentos? Como lidar com o que nunca mais será?
Ou com aquilo que jamais poderemos entender ou explicar dia após dia, noite
após noite? Como suportar a falta de luz, que não há, e sem um dedo apontando o
caminho, posto que essa destituição seja própria da morte em si mesmo?
Como dizer
como outrora: - sou feliz o bastante! O provérbio judaico que prega cuidado com
o que desejas, pois isto pode realizar-se, aqui é fora de questão, pois é
impensável para uma mãe enterrar seus filhos. Isto é antinatural. As mães não
deveriam chorar a morte de seus filhos. Ao concebê-los, deveriam receber, com
carimbo do céu e assinado por Deus, uma certidão de garantia, para vê-los
crescer, sempre saudáveis e felizes. Ao lado deles, poderiam comemorar suas
vitórias, suas conquistas, e depois de muito tempo, quando sentissem a
conclusão de seu ciclo de vida, elas teriam o direito de serem veladas por seus
filhos, todos eles, a fim de seguir feliz sua viagem de reencontro ao Criador.
Os filhos, para as mães, deveriam ser sempre vivos, pois não
foram concebidos para a morte, mas para a vida. Nada neste mundo é mais triste,
mais doloroso do que choro de mãe que perde um filho. Elas não merecem isto.
Nunca mereceram. Jamais merecerão.
(Post Original do Blog Uma Mulher, modificado por Liane T.
Caron)
Olá querida amiga Liane,
ResponderExcluirExcelente texto, sensível, tocante e cheio de sabedoria!
Meu sincero desejo de um Bom Natal e de um Ano Novo cheio de luz, amor e muita paz, à você e sua família!
Que Deus esteja sempre presente em sua vida renovando suas forças!
Obrigada por sua amizade e carinho. Conte sempre com meu apoio, amiga.
Um beijo muito carinhoso pra você.