segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

HÁ VIDA  APÓS A PERDA DE UM FILHO?



O senso comum avisa, e não há quem não concorde: a dor de perder um filho é a pior que existe. O que pouco se fala, no entanto, são os males e angústias causados pela morte de um filho cujos pais já estejam idosos – quando essa “exceção à regra da vida” ocorre, o mais comum é que envolva pais mais novos, na faixa dos 30 aos 50 anos, com filhos vitimados pela violência ou por acidentes.




Ao perder um filho na velhice, a dor, embora universal, é carregada de particularidades. A primeira é a sensação de impotência diante da vida – um pai na terceira idade tende a imaginar que seu fim está próximo, e, de repente, vê o filho ir embora primeiro. Mesmo que a máxima seja válida para qualquer pai e mãe, ela está mais arraigada no pensamento de quem se imagina no fim da vida, e não raro há uma sensação de culpa e vergonha por não estar no lugar do filho.


A sensação de fragilidade e desamparo também é maior, como explica o psicólogo e gerontólogo Benedito Guilherme Falcão (CRP 08/04130). “A perda do filho muitas vezes vem acompanhada de outras perdas, como a dos suportes financeiro e emocional, pois o filho ajudava com as despesas e era alguém que podia contar para conversar, em uma fase em que a solidão é muito perigosa”. Muitos também sofrem ao ver outros familiares, especialmente irmãos e netos do filho, abalados pela perda.


A questão fica ainda mais delicada pela forma como os próprios idosos encaram a velhice, ainda alvo de preconceitos e visões negativas. “Nessa fase da vida, a pessoa já vive uma série de lutos, como pela perda do corpo saudável, do trabalho, da juventude, uma vez que a sociedade ainda enxerga a velhice como uma época de perdas. Perder um filho agrava a situação”, diz a psicóloga gerontóloga Ludiana Cardozo Rodrigues (CRP-08/14941).


Rede de apoio


Em um período da existência em que a solidão e o isolamento são muito comuns, especialistas recomendam que uma rede de apoio se forme em torno do idoso, com o objetivo de não deixá-lo desamparado e suscetível até mesmo a doenças, uma vez que a saúde está mais debilitada. Familiares, amigos, profissionais especializados e até mesmo a religião são importantes nesse processo de elaboração do luto.


O gerontólogo Benedito Guilherme Falcão explica que essa acaba sendo uma oportunidade para estreitar laços entre avós e netos, por exemplo, e para mostrar que o idoso ainda tem muito a contribuir. “Ele pode convidar os netos para um chá e contar a história daquele filho, pai ou tio das crianças”.


E, para os pais – especialmente as mães – que se sentem sem utilidade com a morte de um filho, é importante ressaltar dois aspectos. O primeiro é que, se o filho era único, o idoso pode passar a se dedicar mais a si mesmo e a outras pessoas, através de atividades de voluntariado e até mesmo contando sua experiência para pais que estejam passando pela mesma situação. E, se há outros filhos, lembrar que estes, em qualquer idade, necessitam de carinho.


Leci recuperou forças ao contar sua história.


Compartilhar a dor. Esse foi o remédio que ajudou a dona de casa Leci Selmer, de 65 anos, a aplacar o sofrimento causado pela morte do filho Kléverson, então com 20 anos, em agosto de 1997, em um acidente de carro. Na época, mesmo não se enquadrando na categoria ‘terceira idade’, Leci buscou forças em um grupo de convivência para idosos, onde encontrou mães que passaram pela mesma experiência. Ali, descobriu que falar sobre a dor era uma forma de amparar e de ser amparada. “Vi que a ferida cicatriza, embora continue ali”, diz ela, que soube da morte de ‘Neno’, como o filho era chamado, pela televisão. “Achei que iria morrer. Foi a pior notícia da minha vida.”


Após 14 anos, Leci diz que conta sua história a outras mães, assim como àqueles que perderam cônjuges e parentes, para mostrar que nem sempre a vida toma o rumo previsto, e que há outras pessoas que continuam a necessitar de amparo e carinho. “No meu caso, eu tinha um filho menor, de 14 anos, que precisava de mim. E hoje tenho meu neto, minhas noras, meus amigos. A vida não parou, e eu sempre penso nele”, diz.


Além da ‘terapia’, proporcionada pelos encontros e reuniões, Leci também retomou antigos projetos, como viajar. Conheceu Gramado (RS), Florianópolis (SC), Aparecida do Norte (SP) e Angra dos Reis (RJ), e realizou vários cruzeiros marítimos. Participou até de desfiles com o grupo, e espera ansiosa pelo próximo, que será em julho, quando entrará na passarela com o neto João Pedro. “Se não fosse pelo grupo, minha vida seria totalmente diferente. Ainda estaria na cama, chorando. E teria sido menos presente na vida dos filhos que, graça a Deus, continuaram comigo.”
Reforçar laços com netos e compartilhar experiências são formas de enfrentar a “maior dor do mundo”


Publicado em 09/06/2011 - Por: VANESSA PRATEANO - Vida e Cidadania - Gazeta do Povo

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