Ser mãe é padecer no paraíso, quanta alegria e celebração à mulher que pode dizer isso – ela é mãe de filho vivo. Mãe de filho morto é mulher que desce ao inferno da dor, do desespero e da depressão. Sua vida, de céu não tem nada, há apenas um quedar-se insone, ansioso e impotente diante de um destino que não pode mudar. Se as mães pudessem pressentir a morte inesperada de filhos, em crimes e acidentes, ou salvá-los de morte anunciada por enfermidade que vai se estendendo, simbolicamente tentariam aquilo que é fisiologicamente impossível: pelo mesmo e agora já inexistente cordão umbilical, através do qual os colocaram no mundo, os trariam de volta ao aconchego do útero. Sim, é nele, útero, que a constante dor emocional da morte, quase sempre psicossomatizada, lateja fisicamente. Psicólogos afirmam: “Muitas mulheres, ao perderem suas crianças, sentem pontadas no útero” – útero que já foi preenchido pelo feto, feto que virou filho, filho que virou sepultura. “A dor não passa jamais”, diz Luciana Mazorra, psicóloga clínica e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
“Emocional e fisicamente, é como se ela fosse mudando de lugar e machucando a mãe em espaços diversos.” Assim fala a teórica.
“O falecimento de um filho é dor que dói na alma e no corpo.” “Não há superação”, mas tão somente adequação no dia a dia ao sofrimento.
Existem na vida dois fenômenos irreversíveis, ou seja, a maternidade e a morte. A mulher é uma "mulher" e quando dá à luz passa a ser uma "mulher-mãe". Se seu filho morre, ainda assim ela continua sendo mãe. Novamente aqui, reforça-se a tese com uma fala dolorida: “Não existe ex-mãe”.
Para todas essas mães que perderam seus filhos a vida muda naquilo que é mais perceptível, ou seja, na rotina, na saúde, no ânimo e nos projetos. Mas muda também, e em doses alucinantes de padecimento, naquilo que é inconsútil, mas se torna marcado para sempre: a alma.
É como amputar um braço, não se recupera mais. É uma dor que é um buraco que nada preenche.” Falou-se em alma da mulher-mãe, falou-se no desejo impotente de amparar o que já é inerte e assim faz-se necessário voltar-se aqui à teoria do luto. O que é essa alma? Como se dá o processamento da irreversível perda? O projeto de maternidade, bem como a maternidade consumada, é para a mulher uma espécie de “prolongamento de seu ego”, assim ensinou humanidade o criador da psicanálise, Sigmund Freud, e dois de seus mais geniais seguidores – embora tenham rompido com o mestre no andar da carruagem do conhecimento humano – Melanie Klein e Jacques Lacan. Pode-se dizer, mesmo, que “é um ato narcisista da mulher e que na criança ela vai projetar a si própria, o que não quer dizer que não a ame profundamente e para sempre”.
Assim, quando o filho morre, três dores se sobrepõem. Em primeiro lugar, o “espelho-lago da mitologia de Narciso”, presente em todos nós, se parte e muitas mães órfãs mal conseguem olhar-se de fato num espelho de verdade.
Em segundo lugar, a morte do filho interrompe toda a perspectiva de futuro que a mãe nele depositara, inclusive o futuro de ver seus genes se fortificarem e se perpetuarem – essa é parte emocional e novamente não tangível, mas contam também os projetos visíveis de vê-lo estudar, viajar, fazer dele uma pessoa e tê-lo como uma grande e constante companhia. Com ele vivo, o mundo é uma escada rolante subindo; se ele morre, nem se pode dizer que essa escada rolante pare. Na verdade, ela desce despencando.
Terceira e finalmente, a morte de um filho interrompe o inexorável, mas natural caminhar do tempo: estamos culturalmente preparados para assistir, primeiro, à morte de nossos bisavós, avós e pais – ou seja, daqueles que primeiro chegaram ao mundo. O falecimento do descendente, portanto, interrompe essa ordem estabelecida de vida e morte e a mulher-mãe enlouquece ao triste estilo dos incrédulos que não se cansam de perguntar “por quê?, por quê? por quê?”.
Mas há também uma outra, novamente a da alma, a da ordem natural interrompida de nascimento, crescimento, envelhecimento e morte. Há o desespero que somente a desesperada sabe qual é.
Na subversão do tempo dos vivos e dos mortos, quando gente pequena morre antes de gente grande, ou na “traição do tempo”, como às vezes preferem definir algumas mulheres enlutadas, já não vale o lugar-comum que repetimos e julgamos toda dor aplacar: “Dê tempo ao tempo que a dor passa.” Não. Para as órfãs de suas proles o tempo estanca e não há lenitivo; e entre aqueles que se especializam em cuidar delas é impossível quantificar um período de luto. “Perder um filho é o maior stress que o ser humano pode passar. Não dá para dizer quanto dura esse luto, ele pode ser eterno”, diz a psicóloga Éster Affini, especializada no atendimento desses casos.
Que nome dar a essa dor? As mulheres-mães-órfãs choraram. As mulheres-mães-órfãs responderam: – Essa dor não tem nome.
Texto de Antonio Auggusto João- 04/04/2010, modificado por Liane T. Caron)
Querida Liane,
ResponderExcluirComo sempre nos enriquecendo com textos tão verdadeiros.Pois é, tentam dar nome à isso que sentimos e que nos destroça, mas o único que mais se aproxima é: dor.
Também:sentimento de incoerência, de coisa sem sentido, de ignorancia, desespero,vontade ( ah...uma grande vontade de tudo isso ser um pesadelo que se pode acordar. Mas abrimos os olhos e vimos que é realmente um pesadelo, só que sem sono,e sem chance de acabar nesta esfera.
Nunca mais seremos as mesmas, nunca mais...
Querida Liane, senti sua falta no encontro com a Zelinda e o ASDL, mas sei que foi tudo resolvido em cima da hora mesmo, nem eu sabia que poderia ir a Curitiba, foi tudo decidido na mesma semana...queria muito ter te conhecido também, mas não faltarão oportunidades, tenho certeza que ainda vamos nos abraçar e conversar muito!
ResponderExcluirBeijos, e fique com Deus!